Corro, passo o olhar ao redor. Recorro ao improviso que me assola o espírito. Permito ao espaço alargar-se ao infinito e ainda me vejo. Percorro os lugares que nunca fui, observo os detalhes dos mesmos e me afobo com olhar que me persegue… o meu olhar.
Acariciar as entranhas do universo requer um desapego quase inumano, desumano por assim dizer. Requer um fechar das pálpebras internas ao que acumulamos de nós o tempo inteiro. E esse acumular nos afoga enquanto parece nos afagar.
Os dias se passam sem que compreendamos um detalhe absurdo para a razão: o saber sobre si, conhecer acerca do nosso eu é um preâmbulo para um estado incompatível em nosso mundo atual, que é o deixar-se de lado, que é o esquecer sobre si.
A pergunta que advenha desta afirmação é: e o conhecimento de si mesmo para que de fato serve?
Conhecer sobre si inicialmente lhe trará inúmeras afirmações acerca dos seus sentimentos para com familiares, amigos, amantes; das suas proficiências tecnicistas; das suas aptidões artísticas; das suas qualidades críticas; dos seus espaços cheios de algo a acumular-se e consequentemente de características típicas de um ser individual e faminto por mais e mais detalhes. Sendo assim, o substrato disso é o que chamamos indivíduo. O social aceita isso e o instiga… o moral critica e determina… o científico exemplifica questionando e enquadrando… o religioso julga dogmatizando.
Esse processo em suma é necessário e sempre será, visto que para manusearmos algo é necessário que saibamos antes o que é e para que serve, ou a que se refere. Sendo assim o conhecer acerca de si mesmo é em suma a primeira tarefa, pois não há como vencer algo que não compreendemos.
Pensando assim imaginemos um determinado indivíduo que já tenha alcançado esse conhecimento racional sobre si, mas ainda básico. Consegue claramente determinar seus gostos e suas qualidades com total facilidade. Por uma razão qualquer esse individuo busca ou alcança um estado intensificado de consciência, alcançando-o por meio de alguma prática mantrica, de meditação ou mesmo de uma planta de poder. Nesse exato momento acontece um curto circuito no mesmo. O ato aparentemente inofensivo causa-lhe náuseas. Um conflito existencial se apresenta no mesmo instante, visto que tais práticas elevam ou tentam elevar sua consciência a um novo ponto dele mesmo. E o que se construiu sobre si até então tornar-se-á obsoleto? A sensação talvez lhe cause exatamente isso, mas isso em si não é real. Começa então a se permitir que se some mais e mais detalhes acerca dessa estranha individualidade. Compreendendo e aceitando, ato que aos poucos o torna cada vez menos o que era. Esse é um ponto crucial numa busca pelo real autoconhecimento. É quando se começa a ver-se e encarar-se pela primeira vez de fato. Se apercebe então que boa parte do que se acreditava já não é assim tão rígido. Se apercebe que boa parte das coisas que se afirmava sobre si não são tão válidas assim. O seu Eu começa então a sofrer uma mudança significativa e muito do de antes é reciclado.
Esse mesmo indivíduo então passa a conceber-se outro bem mais além do lugar de outrora. Mas isso ainda não consiste num autoconhecimento factual. Ainda há coisas a se perceber e principalmente agora quando se deu a possibilidade de avançar é que mais se compreende isso. Ele sente-se maior do que consegue ver, ele admite-se maior e busca.
Admitamos que por meio disto ele volte a buscar as experiências de outrora para assim voltar a se ver, voltar a se encontrar e assim poder acumular mais e mais detalhes a seu respeito. Vamos dizer que em meio a leituras variadas ele acumule ferramentas para avaliar, analisar aspectos e qualidades sobre si. Consegue assim digerir, processar muito mais informação a seu respeito que antes estava escondido, disfarçado em mecânicas massificadas. Ele então passa grandes períodos numa conjectura que lhe trás por fim conclusões e finalizações. Muitas das coisas de antes acabam agora completamente novas. Ele de fato não é mais o mesmo. Paradoxalmente ele de fato não é mais.
Esse processo como um todo não segue necessariamente essa estrutura, claro. Não evolui como linha reta e muito menos será igual para todos. Muitos de nós não estamos tão disponíveis para esse conhecer real e ficam na primeira etapa, onde conclusões racionalmente típicas estão de bom tamanho, já que servem muito bem para o meio em que vivemos. No entanto para esses outros insatisfeitos de fato há um desafio enorme se apresentando. Chega-se portanto no ponto crucial desse autoconhecimento que são as definições especulativas acerca de um todo ainda muito maior. O caminho não parece mais ter fim. Somos invadidos por um temor do infinito que assusta. Mas ai se encontra uma contradição.
Infinito em suma é algo sem dimensionalidade exata. Está além de uma mera métrica. Poderia ser encarado como “o espaço” tratado num post anterior.
O que acumulamos sobre nós é particularmente restrito. Está definido entre dois pontos por assim dizer. Faz parte do mundo dos “objetos” e é o que limita o espaço, ou o infinito.
O receio de encarar esse caminho que não tem fim apresenta-se primeiramente pela grande dificuldade de largar as definições que se conquistou sobre si. Os “objetos” que acumulamos são em suma a trava que nos freia. Colocar-se no ponto da sublimação destes mesmos objetos para encarar o espaço que há de fato em nós requer extrema gana e garra. E muitas vezes uma porta visualizada trancada quer dizer mais do que um simples devaneio.
Os sonhos portanto entram em profusão e expelem constantemente dicas acerca de nosso universo interior. Demonstram situações e reações das quais não compreendemos por completo. Há um pedido e um chamado ai, e tolo daquele que virar a cabeça e desistir de entender.
Provavelmente surgirá em sua mente uma dúvida de como tais imagens mentais são capazes de interferir no reino das causas segundas, ou em outras palavras no dia a dia. Na verdade não são as imagens que valem de fato, mas o que se esconde por trás delas. Decifrá-las é um desafio e tanto… extremamente recompensador.
Para invadir o reino interno precisamos antes de mais nada compreendermos certas estruturas que parecem definir o homem já a um bom tempo. Existem uma estrutura muito sensata acerca do homem que está abaixo:
Essa divisão demonstra que há no indivíduo uma mecânica simples de compreender, mas que na prática demonstra ser mais trabalhosa. O indivíduo enquanto acordado normalmente se encontra em Ruach. Todas suas mecânicas habituais estão ai e se processam ai. Em Nephesh encontramos as várias defesas do inconsciente que impedem que determinadas informações vaguem ao ermo ou que a alcancemos sem preparo. Isso pode parecer ruim, mas no fundo não é. Para alcançar tais informações precisamos de uma mente clara e muita vontade. Precisamos destronar Nephesh para abrirmos as portas de Neshamah e assim entrarmos em contato de fato com o que somos realmente.
O inconsciente inferior está mais presente do que pensamos. Ele está num preconceito tolo que temos, numa trava que nos impede de agirmos, num significado que está além do que o outro de fato quer passar. Destroná-lo é um ato de retirar-lhe o direito sobre o que vem e o que não vem à mente e em nenhum momento significa destruição do mesmo. Ele nunca será aniquilado e nem deve ser visto como inimigo e sim como um passo necessário.
Superando Nephesh invadimos portanto um universo de fato ilimitado. Há ainda divisões de Neshamah – acima - que demonstram de forma simples que alguma vezes nos deparamos com ela sem percebermos. Isso ocorre por que estamos em contato com o inconsciente superior mediado pelas travas do inconsciente inferior. Muitas vezes tais travas não impedem de fato e somos invadidos por uma energia nova.
O autoconhecimento portanto trás para o indivíduo resoluções acerca dos objetos que por intermédio de Nephesh não tomamos conhecimento. Ao acumularmos tais resoluções cada vez mais teremos menos coisas a nos preocupar, mesmo que em determinado momento tais coisas ainda voltem à mente, desta vez não terão a mesma intensidade e passaremos por elas como se nem existissem mais. Mas no fundo existem e permanecerão se encararmos sempre que os objetos são o importante de fato. Esse engano é natural, visto que passamos a vida inteira acumulando tais objetos, acumulando cada vez mais objetos, entupindo os ambientes de nossa casa, e impedindo como as paredes impedem, de ver que o espaço é o único importante. Quando formos tomados pela imensidão do espaço sem que de fato os objetos nos impeçam de ver além seremos portanto livres e poderemos realmente acreditar que alcançamos o autoconhecimento. Seremos menos instáveis, menos controversos, menos iludidos, menos preconceituosos, a menos que desejemos tais coisas por nós mesmos, mas isso é uma outra história sobre vontade que tratarei posteriormente.