meu rebento…

O sonho é como o que flui, indiscriminadamente através dos dedos, caindo ao léu em pontos variados do trajeto. Irrita o desejoso por ele tantas e tantas vezes, mas nunca se esvai por inteiro, parecendo transmutar-se em algo até bem diferente do antigo roteiro, mas no fundo quem muda somos nós, na forma de ver e ter esse mesmo desejo. É assim que quando desvendamos os “cantos escuros” que percebemos novos formatos, novos manejos. E depois de longos anos inteiros ainda com ele no peito sabemos bem o que é tê-lo livre do mal do tempo… que só envelhece a nós, casulos carcomidos pelas ânsias de nós mesmos.

“Sendo assim, agora sabendo que tais sonhos nunca falecerão em meu seio, implico em ser a melhor terra pra gerar os mesmos… sou mãe e pai de meu eterno rebento, eu mesmo”.

Contudo esquecer-se no vácuo dos lugares sujos e vagos, manipulando o sonho é como ter na boca um veneno, desses que não matam, mas amargam o belo. Estacionando ao iludir-se de contatos inexistentes e relações esquizofrênicas de um plano interno nem sempre tão retos. O que se encontra após é só resto.

Desde já permitir-se sentir dor é deixar o parto ser dado com sua própria cor. É aceitar que somos o que somos… tanto quanto o que ministramos em nós… se vinho ou se veneno. E assim conduzir-nos, mesmo que seja para iludirmo-nos no canto do quarto por alguns momentos.

Vê que não há erro quando o desejo é o tormento? Ele por si só mantém-se inteiro enquanto nós amarguramos os medos. Por isso quando sonhos tiver, seja sonho tanto quanto ele é… tanto quanto ele é… tanto quanto você é… tanto quanto ele é… tanto quanto.

Tanto quanto.

S.O.Q.C.

Guerra

Escravos cegos rangem os dentes. Abutres rodeiam o corpo quase sem vida da meretriz milenar. Já nascem cegos, surdos, mudos e aleijados. Já nascem em funerárias. Já nascem sem alma. Se por ventura nascessem com alma à venderiam na primeira pocilga por míseros trocados.

O falso templo apodrece, repleto de vermes, fieis ao bizarro espetáculo. Em louvor ao nada matraqueiam balbuciantes palavras mal decoradas, sem alma... Agoniza o trono usurpado. Treme a terra, o mar devasta, masoquistas macacos se mutilam e se maltratam. Do alto grita o falcão-menino, só que porcos não olham para o alto.

Dionísio desmascara seu falsário, a farsa que ergueu impérios à sua sombra, a mentira sem personalidade.

Gaia cansada desperta de seu sono de passividade. E ela ruge, ela range, ela rosna, ela rasga... E não há hospedeiro que não reaja à colonias de parasitas sem respeito e sem sanidade.

Este é um grito de guerra, um gemido vindo do Abismo do Alto e do Baixo. E ao ouvir o grito, a Senhora Morte prepara seu cavalo de treze faces.

Que se abram a cortinas! É chegada a hora do espetáculo....